Ricardo Senra
Da BBC Brasil em São Paulo
À frente de sessões de terapia em grupo para
professores da rede pública há mais de 25 anos, o psiquiatra Lenine da
Costa Ribeiro diz que as agressões físicas e verbais vindas de alunos
são os principais motivos de doenças psicológicas entre os educadores
que recorrem ao divã.
Segundo o médico do Instituto de Assistência
Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo, seis em cada dez
professores não conseguem mais voltar às salas de aula após enfrentarem
episódios de agressões graves - como humilhação, ameaças e ataques
físicos.
O tema da violência em sala de aula contra professores também foi destacado em posts de Clique
Facebook e no Clique
Twitter por leitores em consultas promovidas pelo
#salasocial, o projeto da BBC Brasil que usa as redes sociais em busca
de uma maior integração com o público.
A pedido da BBC Brasil, internautas, entre eles professores, compartilharam, via Clique
Facebook, Clique
diferentes relatos sobre violência cometida contra profissionais de ensino. Houve também depoimentos feitos via Clique
Google+ e Clique
Twitter.
De acordo com Ribeiro, assumindo cargos de
"readaptação", como funções na secretaria ou na biblioteca escolar,
esses educadores tendem a ser vistos como figuras menos importantes do
que aqueles que seguem dando aulas.
Desinteresse pela vida, depressão, perda de
memória e problemas de cognição são algumas das consequências da
violência no cotidiano das escolas, diz o psiquiatra. Leia, a seguir, os
principais trechos da conversa:
BBC Brasil - A violência na escola é um tema recorrente nas sessões de terapia?
Lenine da Costa Ribeiro - O
medo dos alunos, as situações de agressão e humilhação e a sensação de
impotência são as queixas mais comuns nas reuniões. Fala-se sempre sobre
salário ou infraestrutura das escolas, mas a insegurança do professor
em relação aos alunos é um tema bem mais frequente. Os professores
reclamam mais do medo que do salário.
BBC Brasil - Quais são suas consequências para a saúde dos professores?
Ribeiro - Surgem transtornos de
ansiedade generalizada. O estresse pós-traumático é um agravamento
importante da saúde mental e leva a sintomas como pânico em diferentes
níveis, falta de interesse pela vida, depressão, perdas de memória,
dificuldades de cognição e fobias distintas. São sintomas que não
respondem rápido aos tratamentos e que por isso costumam ser longos,
assim como os períodos de afastamento, que chegam a durar mais de um
ano.
BBC Brasil - Como é esse tratamento?
Ribeiro - Primeiro, com
medicação. Antidepressivos e neuromoduladores. O tratamento
medicamentoso tenta abreviar o sofrimento o mais rápido possível, mas
também são necessários pelo menos dois anos de monitoramento. Neste
período o professor participa de sessões de psicoterapia feitas em
grupo, onde todos compartilham e discutem experiências. Muitos deles são
afastados das escolas até que consigam se recuperar.
BBC Brasil - Quais são os principais relatos compartilhados nas sessões?
Ribeiro - Há pessoas que tinham
grande capacidade de dar aulas, articulação didática, e que ficaram
completamente apáticas. O mais frequente é a incapacidade do professor
de dar aula porque está sendo impedido agressivamente. Ele não consegue
mais se impor e perde toda a autoridade diante da turma. Ameaças também
são frequentes, não são só ameaças contra a vida, mas contra o
patrimônio da pessoa, como esvaziar os pneus do carro, por exemplo. O
maior medo é sofrer reprimendas na rua, depois das aulas, fora da
escola.
BBC Brasil - Algum caso que o tenha marcado?
Ribeiro - Uma professora tinha
advertido um aluno em sala. Na reunião de pais, a família,
particularmente o pai, foi muito intensamente agressivo no auditório
repleto de pessoas. Seu discurso era raivoso e acusador. Depois desse
evento, ela nunca mais pode funcionar da mesma maneira. A maneira
agressiva com que ele tentou tirar satisfações foi tão hostil e a
estressou de tal forma que essa a professora nunca mais conseguiu dar
aulas. A humilhação é tão dolorosa quanto a agressão física. São várias
as formas de violência.
BBC Brasil - Pode falar sobre estas diferentes formas de agressão?
Ribeiro - A violência física
não costuma ser tão explícita, ela é menos comum. Na rotina mesmo estão
as agressões verbais, a desconsideração, um desrespeito profundo à
condição do professor. O que acontece é uma descaracterização de seu
papel. O educador, aquela pessoa que seria central e determinante na
construção de um sujeito, de um indivíduo, de uma personalidade, é
tirado de seu lugar. Isso é muito grave, tem consequencias muito
importantes, porque cada agressão afeta não só a relação do professor
com o agressor, mas também com todos os demais alunos.
BBC Brasil - É comum que os professores extravazem este estresse agressivamente sobre os alunos?
Ribeiro - Quem está limitado
não costuma criar enfrentamentos. Essas pessoas costumam ter respostas
mais apáticas, por conta da ansiedade, da depressão. Isso tudo acaba
colocando o professor numa situação de limitação e quase sempre quem
está limitado não consegue entrar em situações de enfrentamento.
BBC Brasil - Como é o retorno destes professores à sala de aula?
Ribeiro - O que vejo nesses
casos é que o retorno acontece quase sempre de forma readaptada, e não à
sala de aula. Uma porcentagem importante, em torno de 60% dos
pacientes, volta para a escola ocupando funções administrativas, ou na
biblioteca, na secretaria. A readaptação é às vezes a única maneira de
dar continuidade ao cargo. Este retorno é muito difícil.
BBC Brasil - Como as escolas costumam reagir aos pedidos de afastamento?
Ribeiro - Posso falar sobre o
momento do retorno. Os readaptados dizem sempre sofrer algum tipo de
prejuízo. Isso acaba se tornando parte da própria condição social deles.
Acabam sendo vistos como uma posição de menos valia, o que causa baixa
autoestima. É como se eles passassem a ter menos valor do que aqueles
que estão lecionando.
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